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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sexta-feira é dia de... convidados!

Meus queridos,
Quero pedir desculpas pelo atraso nas atualizações diárias do blog. A semana andou depressa, mas hoje vocês serão super recompensados com minha convidada e amiga super especial. Valeu a pena esperar! A convidada de hoje é minha amiga querida que mora nos EUA há cinco anos e graças a Deus vive muito feliz em solo americano. Deinha, como eu a chamo, é Internacionalista assim como eu e é uma pessoa extremamente sensível, inteligente e atenta as diversidades mundo afora, como vocês poderão comprovar no seu texto. Ao ler o texto, um filme passou em minha cabeça, ao perceber cada estágio que passamos quando estamos fora do nosso país. Foi como revisitar um período que não quero nem posso deixar que se apague da minha memória, a minha vida em Dublin (tema de outros capítulos). Espero que assim como eu, vocês também possam fazer uma "viagem".
Boa leitura!
Um beijo e até a próxima,
Jamile


“Aprendendo na diversidade”

A construção da tolerância cultural sob o olhar de uma imigrante


       Há não muito tempo atrás, resolvi buscar um sonho e ao mesmo tempo realizar outro que há muito acalentava. Resolvi então, ter a experiência que muitos dizem não ter preço, que abriria meus horizontes e que me faria ver a vida e o mundo com outros olhos: mudei-me para outro país, há princípio temporariamente, mas com expectativas de longo prazo. Com esta mudança questionei, vivi, encontrei e aprendi muito. Acabei por reunir minhas experiências num processo gradual e lento de transformação interna com quatro fases que foi e é experimentado não apenas por mim, mas por muitos amigos e conhecidos, processo este, que de maneira alguma pretende ser exaustivo e absoluto.

       Num primeiro momento, tudo me parecia ser uma versão mais limpa e organizada do que já estava acostumada no Brasil, o que via eram ruas bem pavimentadas, trânsito controlado, pessoas que ainda diziam “obrigada”, ”por favor,” e “ tenha um bom dia” mesmo numa cidade grande. Que maravilha ir às compras, e por pelo menos um mês andar com máquina fotográfica para todos os lugares, vendo coisas diferentes, em meio a pessoas diferentes, olhando um céu com outras cores e outras estrelas.

       Tudo parece férias por pelo menos alguns meses, até que a realidade se desmistifica e a bruma surreal que antes lhe cobria como em um sonho, se desfaz, tornando-a palpável e menos glamurosa. Passa a euforia da chegada, a saudade bate, uma vontade enorme de ligar para todos, dar outra rodada de abraços. Deixamos de ser protagonistas e “novidades” e passamos a enxergar as diferenças sutis que apenas com o tempo somos capazes de perceber, levando-nos a um segundo momento de renegação da cultura do país que nos acolhe, de conflitos e choques com suas crenças e valores. Coisas parecem perder a originalidade, padronizadas e estranhas, pessoas seguem uma regra que você ainda não conhece e convenções, quando colidem com as nossas, são escrutinizadas. As inseguranças, dúvidas, medos, e questionamentos sobre você, sobre o mundo e suas instituições batem a sua porta e entram sem serem convidadas, criando um tipo de xenofobia silenciosa e óde às próprias raízes culturais, chegando-se até a uma idealização completa do modus vivendi natal. O politicamente correto e comportamento aceitável passam a ser meros referenciais em vez de verdades absolutas e irritamo-nos com o esforço para entender o que de outra maneira seria óbvio. Assim: seja pela dificuldade em estabelecer uma conexão mais profunda e duradoura com o diferente, seja pelo medo egoístico da crítica e necessidade de auto-afirmação, aglomeramo-nos com os nossos semelhantes e nações são criadas em outra nação, que torna-se uma grande colcha de retalhos cultural, resultando em aglomerações como “Little Brazil”, “Little Havana”, “Chinatowns”, etc. Começamos a reaprender o mundo como se voltássemos a ser crianças.

       Muitos que vivem tais experiências não saem dessa segunda etapa renegando a total imersão indefinidamente e, por muitas vezes, acabam retornando ao país de origem sem uma experiência mais intensa. Outros, por sua vez, precisam ou querem continuar num processo de compreensão do outro, buscando entender os arranjos desse novo contexto, desejam enxergar o que há em comum com o outro ser humano e chegam, paulatinamente, à tolerância e a um relativismo cultural.

       Nesse momento, vemos na prática a afirmação da dialética hegueliana em seu modo mais simples, de que todo pensamento e comportamento humando baseia-se em uma construção que não admite algo definitivo ou inquestionável. Percebemos assim, que qualquer idéia ou conceito está sempre sujeito a crítica com a variação de tempo e/ou lugar. Descobrimos não sermos dono de verdade absoluta ou incontestável e terminamos por concordar, mesmo que tacitamente, com o que diz Boaventura de Sousa Santos, pai da Hermenêutica Diatópica, que afirma serem todas as culturas, incompletas, e que tal incompletude, adviria da própria pluralidade de culturas, pois se alguma fosse tão completa como se julga, seria a única existente. Descobrimos assim, a beleza do outro ser humano na sua diferença, ao passo que transferimos o nosso foco para o que nos une enquanto seres humanos.

      Finalmente, num quarto estágio adaptativo, criamos uma cultura híbrida, sínteses da tese, a cultura a qual pertencemos originalmente, e a antitese, a nova cultura que experimentamos (não que está necessariamente seja total oposto da primeira, mas que assim foi nomeada para fins ilustrativos). Fazemos esse trabalho dialético a todo o tempo e em qualquer lugar, embora isso se torne mais evidente quando nos colocamos em meio a um povo diferente, por mais semelhante que este possa parecer. Nesse momento sabemos que não pertencemos mais à nossa “velha casa”, mas também sentimos que não pertencemos à “nova”. Renascemos com um novo olhar mais complexo sobre o mundo.

       Desta maneira, terminamos por entender o que nos foi dito pelos que antes de nós, viveram tal experiência: que vivenciar outra cultura nos permite ver mais claramente a incompletude de nossas culturas e de nós mesmos, facilitando assim, a criação de uma concepção multicultural e mais tolerante do outro e do mundo.

 
Andréa Valença Chagas Melero
-Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário da Bahia, foi aluna de Comunicação e Direito na Universidade Federal da Bahia, é casada, tem um filho e vive em Seattle nos Estados Unidos desde 2005.

3 comentários:

  1. Muito lindo o que ela escreveu, e baseado em uma grande realidade que eu tambem pude viver um pouquinho.

    Andrea, simplesmente maravilhosa.

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  2. Acredito que a experiência é o mais importante dos ensinamentos e Andrea aprendeu na vivência e na convivência com o diferente, hoje não tão diferente.

    Parabens Dea,

    seu irmão,

    Marcos.

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  3. Não conheço a Déa mas pelo que ouço falar, é uma amiga especial e também uma excelente escritora! Apareça mais vezes! Beijos

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